| Escada espiralada que dá acesso ao espaço Yoga sobre o Porto |
A ligação entre os vários Cafés Filosóficos nem sempre é óbvia. Isto porque mais que uma ligação temática (ou problemática) é uma ligação feita pelos fios da subjectividade, da intencionalidade, dos interesses e preocupações de cada participante destas sessões. Ora, estes fios são invisíveis para todos os outros que não o sujeito que os tece.
Agora que ultrapassámos os cem Cafés Filosóficos a ideia que fica é que tudo isto é, na verdade, um Grande Café Filosófico que começou em Novembro de 2008 e ao qual regularmente voltamos após alguns períodos de descanso no "quotidiano não filosófico" em que somos obrigados a viver.
Julgo que é disto que este texto da Chantal Guilhonato nos fala e que a escadaria do número 100 da Rua dos Carmelitas (local do Café Filosófico no Yoga sobre o Porto) tão bem ilustra:
o caminho em espiral que temos vindo a percorrer desde Novembro de 2008.
| No centésimo Café Filosófico foi servido um Porto de Honra gentilmente oferecido pela Porto Ramos Pinto |
Do 102º Café Filosófico para o 100º, por Chantal Guilhonato
O corredor é amplo e pertence a duas casas.
Elas parecem não se importar. Acho até que gostam. Não se resguardam por trás de cortinas, vestindo apenas vidro fino. Na sua nudez, deixam-se observar por quem passa.
O corredor é amplo e conduz a três lanços de escadas que dividem atenções com um experiente elevador.
Subo, a passos, em direcção ao "Pensar o Impensável", o desafio do 102º Café Filosófico. Olho para baixo e esqueço qualquer verdade absoluta. Por pouco tempo. O aroma do chá, que se funde com o do método do pensamento crítico, liberta algumas delas:
"A verdade é uma." (Lara)
Objectividade foi o conceito essencial encontrado sob esta afirmação, prontamente refutada pelo Paulo com a hipótese de que "a verdade é uma interpretação". Para o grupo a refutação do Paulo saía do plano da Objectividade da verdade para o da Subjectividade.
A frase inicial da Lara foi ainda refutada pela Maria de Jesus com a ideia de que "a verdade é um conceito" Após alguma discussão foi votado o conceito de Subjectividade Convencional para classificar esta proposição e procedeu-se à re-classificação da frase do Paulo. Subjectividade Pessoal foi o conceito escolhido para a ideia de que a verdade é uma interpretação.
A "verdade absoluta" escolhida pela Lara, o mote para toda esta discussão de mais de duas horas, foi novamamente posta em causa pelo João com a seguinte hipótese: "a verdade é uma utopia necessária." Subjectividade Universal foi o conceito encontrado pelo grupo para diferenciar esta proposição das duas anteriores. A razão encontrada foi que apesar de ser algo subjectivo e pessoal, a ideia de verdade é algo que todos os seres humanos têm de possuir para poderem viver e sobreviver.
[nota: esta ideia de verdade defendida pelo João, o mais novo participante deste Café Filosófico, não andará muito longe da teoria pragamatista da verdade proposta por William James, e actualmente defendida, por exemplo, por Richar Rorty.]
Uma sessão marcada pela atenção às palavras. Cada uma delas.
Despeço-me do espaço e volto, em boa companhia, para junto daquela coluna vertebral em espiral.
Olho de novo para baixo e sinto amnésia de qualquer verdade absoluta.
Ligo o carro e conduzo nas memórias do 100º Café Filosófico.
Copos perfumados a rigor. Perguntas soltas:
- "A nossa vida tem objectivo?" (António)
- "Qual o nosso lugar no universo?" (Angelina)
- "Pensamos melhor quando estamos desprendidos ou sóbrios?" (Simona)
- "Que finalidade desejaríamos para a nossa vida?" (Virgílio)
- "Qual o uso que damos à nossa vida?" (Jorge)
- "Porque é que existe o ser em vez do nada?" (Cristina)
A pergunta do António prevaleceu sobre as outras e encontrou a primeira resposta no seu autor na forma de um silogismo:
"Não porque somos iguais aos animais.
Os animais não têm objectivos
Logo não temos objectivos."
O grupo nomeou esta ideia de "tese do igualitarismo" pois a recusa de um objectivo para a vida do homem acentava numa suposta igualdade com a vida dos animais.
Discutida esta ideia, e refutada até ao ponto de o seu autor a "deixar cair", outras ideias foram avançadas para tentar responder à pergunta do inicial. Entre elas a "tese subjectivista" da Maria Manuel que defendeu que "a vida tem objectivos porque nós os criamos, mas não Um Objectivo."
Entretanto apresentou-se-nos a tese do José Rui para quem "a vida tem sentido por si mesma", e que foi posta em causa por alguns participantes para quem só um ser consciente e intencional pode conferir sentido à vida. A partir daqui o diálogo desenrolou-se em torno da questão de saber se o Caos enquanto origem da vida pode ter um sentido em si mesmo, ou se apenas uma inteligência exterior pode conferir sentido ao Caos e, como tal, à vida. Aflorou também a ideia de que a vida só faria sentido para um Criador omnisciente.
No fim da sessão, e em jeito de síntese, o Paulo arriscou a ideia que "a nossa vida tem objectivo porque o próprio objectivo da vida é manter-mo-nos vivos." Mais uma vez esta ideia encontrou alguma resistência e predispôs alguns participantes a prolongarem dialecticamente o Café Filosófico para lá de qualquer horário minimanente aceitável. Tivemos de acabar aqui mais um encontro filosófico no Piano-Bar do Clube Literário do Porto (três anos depois da primeira sessão exactamente no mesmo local).
Uma sessão com sabor especial registada num livrinho de memórias [ver aqui].
Obrigada Tomás pela tua partilha de leveza.
Nota final para os supositórios atómicos do Virgílio.
Chantal Guilhonato
| No centésimo Café Filosófico foi servido um Porto de Honra gentilmente oferecido pela Porto Ramos Pinto |
Mais uma vez, eu é que agradeço a todos esta oportunidade que me dão de regularmente refrescar a minha mente com as vossas ideias e pensamentos.
Abraços a todos,
Tomás
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Registo do 102º Café Filosófico, por Paulo Pereira |

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